Informativo

23 de outubro de 2020

Pena de perdimento de mercadorias importadas. Falsidade ideológica nas faturas comerciais (subfaturamento). Inaplicabilidade

TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA DE PENA DE PERDIMENTO DE MERCADORIAS. AUTO DE INFRAÇÃO FORMALIZADO POR FALSIDADE IDEOLÓGICA NAS FATURAS COMERCIAIS (SUBFATURAMENTO), COM ENQUADRAMENTO LEGAL NOS ARTS. 105, VI, DO DECRETO-LEI 37/66, E 689, VI, § 3º-A, DO DECRETO 6.759/2009. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE NO PROCEDIMENTO DE ARBITRAMENTO DOS PREÇOS DAS MERCADORIAS. INAPLICABILIDADE, NO ENTANTO, DA PENA DE PERDIMENTO, NA HIPÓTESE DE SUBFATURAMENTO. INCIDÊNCIA, NA ESPÉCIE, DA MULTA PREVISTA NO ART. 88, PARÁGRAFO ÚNICO, DA MEDIDA PROVISÓRIA 2.158-35/2001. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

I- Recurso Especial interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/73.

II- Na origem, trata-se de Ação Anulatória, visando a anulação de pena de perdimento de mercadorias importadas, decretada em decorrência de falsidade ideológica nas faturas comerciais (subfaturamento), de cuja petição inicial constam as seguintes causas de pedir:

a- ilegalidade no arbitramento dos preços das mercadorias, por inobservância dos arts. 82, parágrafo único, e 86, parágrafo único, do Regulamento Aduaneiro vigente, aprovado pelo Decreto 6.759/2009;

b- inaplicabilidade da pena de perdimento, na hipótese de subfaturamento, ante a previsão de pena específica para tal infração, qual seja, a multa prevista no art. 703 do Regulamento Aduaneiro;

c- inconstitucionalidade da capitulação legal aplicada, com fundamento no § 3º-A do art. 689 do Regulamento Aduaneiro, incluído pelo Decreto 7.213/2010, por contrariedade aos arts. 84, IV, da Constituição Federal e 97, V, e 99 do CTN;

d- inconstitucionalidade da pena de perdimento, no caso em questão, por afronta aos arts. 5º, II, XXII e LV, e 150, IV, da Constituição Federal.

III- Na sentença – ao apreciar, simultaneamente, esta Ação Anulatória e a conexa Ação Cautelar -, o Juízo de 1º Grau, de um lado, julgou improcedente a presente demanda, e de outro lado, considerando que o pedido liminar deferido na Cautelar fora integralmente satisfeito, com o desembaraço aduaneiro e a liberação das mercadorias, julgou procedente a demanda cautelar, para determinar, com o trânsito em julgado, a conversão em renda do depósito judicial efetuado na Cautelar, deixando de condenar as partes em honorários de advogado, em face da sucumbência recíproca.

No acórdão recorrido – por considerar configurada a hipótese de subfaturamento, e legítimo, ainda, o arbitramento dos preços das mercadorias importadas -, o Tribunal de origem manteve a aplicação da pena de perdimento, negando provimento à Apelação, interposta pela parte autora, e dando parcial provimento à remessa oficial, tão somente “para condenar a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios de 10% do valor da causa, devidamente atualizados”.

Opostos Embargos de Declaração, foram eles rejeitados. Interpostos, simultaneamente, Recursos Especial e Extraordinário, no Recurso Especial, sob alegação de contrariedade aos arts. 88, caput e parágrafo único, da Medida Provisória 2.158-35/2001, 70, II, a, da Lei 10.833/2003 e 82, parágrafo único, 86, parágrafo único, e 703 do Decreto 6.759/2009, a parte autora sustentou as seguintes teses: a) ilegalidade no procedimento de arbitramento dos preços das mercadorias importadas, por inobservância dos arts. 88, caput, da Medida Provisória 2.158-35/2001 e 82, I, parágrafo único, e 86, parágrafo único, do citado Decreto 6.759/2009; b) distinção entre “preço de exportação para o País, de mercadoria idêntica ou similar” e “preços declarados por outros importadores”; e c) inexistência de prática de subfaturamento viciada de dolo ou fraude e incidência da multa, prevista no art. 703 do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/2009), em detrimento da pena de perdimento.

IV- Em relação ao parágrafo único do art. 82 do atual Regulamento Aduaneiro, aprovado pelo Decreto 6.759/2009 (“Nos casos previstos no caput, a autoridade aduaneira poderá solicitar informações à administração aduaneira do país exportador, inclusive o fornecimento do valor declarado na exportação da mercadoria”), deve ele ser interpretado em conformidade com o art. 17 do Acordo para Implementação do Artigo VII do GATT-1994, com o seguinte teor: “Nenhuma das disposições do presente Acordo poderá ser interpretada como restringindo ou contestando o direito de uma administração aduaneira de se assegurar da veracidade ou da exatidão de qualquer afirmação, documento ou declaração apresentados para efeitos de determinação do valor aduaneiro”. Assim, o Tribunal de origem decidiu corretamente, quando consignou que “a previsão de solicitação de informações à administração aduaneira do país exportador, contida no parágrafo único do art. 82 do R.A., trata-se de mera faculdade da autoridade aduaneira”.

V- O Tribunal de origem decidiu, com acerto, que “nenhuma irregularidade consta no agir da Administração que observou o critério do inciso I do parágrafo único do art. 86 do Regulamento Aduaneiro – utilizando como parâmetro justamente o preço de exportação para o País, de mercadoria idêntica ou similar às importadas pela autora”. Consideradas as premissas fáticas delineadas no acórdão recorrido, insindicáveis, em sede de Recurso Especial, conclui-se que, ao realizar o arbitramento dos preços das mercadorias objeto das faturas comerciais tidas como falsificadas (subfaturamento), a fiscalização não contrariou o art. 88, caput, I, da Medida Provisória 2.158­35/2001, reproduzido pelo art. 86, parágrafo único, I, do Decreto 6.759/2009, quando fez o levantamento dos preços dos produtos da mesma natureza e do mesmo país de exportação, mediante comparação com as declarações de importação apresentadas por outros importadores.

VI- Na forma da jurisprudência do STJ, na hipótese de subfaturamento, não se aplica a pena de perdimento prevista no art. 105, VI, do Decreto-lei 37/66, regulamentado pelo art. 689, VI, § 3º-A, do Decreto 6.759/2009. Em tal hipótese incide, conforme o caso, a multa do parágrafo único do art. 108 do citado Decreto-lei 37/66, ou, então, a multa de que trata o parágrafo único do art. 88 da Medida Provisória 2.158-35/2001, reproduzido pelo art. 633, I, do Decreto 4.543/2002, correspondente ao art. 703, caput, do Decreto 6.759/2009. Nesse sentido: REsp 1.217.708-PR, STJ, 2ª T, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 08/02/2011; REsp 1.240.005-RS, Rel. Min. Eliana Calmon, 2ª T, DJE 17/09/2013; REsp 1.218.798-PR, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T, DJE 01/10/2015.

VII- Na forma da jurisprudência, “a conduta do impetrante, ora recorrido, está tipificada no art. 108 supracitado – falsidade ideológica relativa ao valor declarado (subfaturamento) -, o que afasta a incidência do art. 105, VI, do Decreto-lei 37/66 em razão: (i) do princípio da especialidade; (ii) da prevalência do disposto no referido decreto sobre o procedimento especial previsto na IN SRF 206/2002; e (iii) da aplicação do princípio da proporcionalidade” (REsp 1.217.708-PR, STJ, 2ª T, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 08/02/2011). No mesmo sentido: “a falsidade ideológica consistente no subfaturamento do valor da mercadoria na declaração de importação dá ensejo à aplicação da multa prevista no art. 108, parágrafo único, do Decreto-lei 37/66, que equivale a 100% do valor do bem, e não à pena de perdimento do art. 105, VI, daquele mesmo diploma legal. Interpretação harmônica com o art. 112, IV, do CTN, bem como com os princípios da especialidade da norma, da razoabilidade e da proporcionalidade” (REsp 1.218.798-PR, STJ, 1ª T, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJE 01/10/2015).

VIII- No caso, consta do acórdão recorrido que, “encontrando-se o subfaturamento acompanhado de indícios de fraude na operação, revelando intuito manifestamente doloso com o objetivo de burlar o fisco, inexiste ilegalidade no ato administrativo que aplicou a pena de perdimento com base no art. 689, VI, do Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/09) – restando mantida a sentença e prejudicadas as demais alegações do recorrente no sentido da inconstitucionalidade do § 3º-A do mesmo dispositivo legal”. Contudo, em assim decidindo, o Tribunal de origem negou vigência ao parágrafo único do art. 88 da Medida Provisória 2.158-35/2001 – dispositivo legal reproduzido pelo art. 633, I, do Decreto 4.543/2002 (o qual foi mencionado no acórdão recorrido), correspondente ao art. 703, caput, do Decreto 6.759/2009 -, pois, consoante observado pela parte autora, “o subfaturamento de mercadorias consiste propriamente numa falsidade ideológica dolosa, e, por óbvio, fraudulenta, visando o pagamento menor de tributos na operação de importação”.

IX- Não se aplica ao caso a pena de perdimento prevista nos arts. 105, VI, do Decreto-lei 37/66, e 689, VI, § 3º-A, do Regulamento Aduaneiro vigente (Decreto 6.759/2009), diante da incidência, na espécie, de pena específica, qual seja, a multa prevista no parágrafo único do art. 88 da Medida Provisória 2.158-35/2001 – dispositivo legal reproduzido pelo art. 633, I, do Decreto 4.543/2002, e pelo art. 703, caput, do Decreto 6.759/2009, vigente, no caso, à época da infração, ocorrida em 2011 -, sem prejuízo da exigência dos impostos, da multa de ofício prevista no art. 44 da Lei 9.430/96 e dos acréscimos legais cabíveis, garantidos pelo depósito judicial realizado nos autos da conexa Ação Cautelar.

X- Recurso Especial parcialmente provido, para anular a pena de perdimento, com inversão dos ônus sucumbenciais fixados pelo Tribunal de origem. (REsp 1445663-SC, STJ, 2ª T, Rel. Min. Assusete Magalhães, j. 13/10/2020, DJE 20/10/2020)

"As decisões aqui reproduzidas são apenas informativas."

Voltar