Informativo

17 de abril de 2020

IRPF. Declaração conjunta do marido e da mulher. Corresponsabilidade pelo pagamento do tributo. Inexistência

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. CORRESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DO TRIBUTO. APURAÇÃO SOB O REGIME DE GARANTIA SUBJETIVA DO CONTRIBUINTE. DECLARAÇÃO CONJUNTA DO MARIDO E DA MULHER. IRRELEVÂNCIA, PARA O EFEITO DE TORNÁ-LOS CORRESPONSÁVEIS. SOMENTE A LEI TRIBUTÁRIA PODE INSTITUIR A OBRIGAÇÃO DE PAGAR TRIBUTOS E ESTABELECER OS RESPECTIVOS FATOS GERADORES, BEM COMO OS DEMAIS ELEMENTOS. PERMANÊNCIA DO DEVER JURÍDICO DE CADA UM DOS CÔNJUGES. INTELIGÊNCIA DO ART. 124, I DO CTN. CASO DE ILEGITIMAÇÃO PASSIVA TRIBUTÁRIA DO RECORRENTE. REGRA DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. DEFINIÇÃO QUE SE FUNDAMENTA NA CARTA MAGNA. RECURSO ESPECIAL DO RECORRENTE A QUE SE DÁ PROVIMENTO, PARA EXCLUI-LO DA CORRESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DE IRPF INCIDENTE SOBRE A PERCEPÇÃO DE RENDA ORIUNDA DE TRABALHO PRESTADO AO PNUD PELA SUA MULHER, SEM PREJUÍZO DE O FISCO FEDERAL PODER EXIGI-LO DA PERCEBENTE DOS VALORES, COMO É ÓBVIO.

1- Ao regular a solidariedade tributária, o art. 124 do CTN estabelece que o contribuinte e o terceiro são obrigados ao respectivo pagamento do tributo quando há interesse comum entre eles, ou seja, quando um deles realiza conjuntamente com o outro a situação que constitui o fato gerador do tributo (inciso I), ou por expressa disposição de lei (inciso II). Esse dispositivo legal dá efetividade ao comando do art. 146, I da Carta Magna, segundo o qual somente a Lei Complementar, nesta hipótese, o CTN, tem a potestade de instituir, alterar ou modificar qualquer elemento componente da obrigação tributária. Isso quer dizer que qualquer regra jurídica que não detenha hierarquia complementar não tem a força de alterar esse quadro.

2- Somente se estabelece o nexo entre os devedores da prestação tributária originária, quando todos os partícipes contribuem para a realização de uma situação que constitui fato gerador da exação, ou seja, que a hajam praticado conjuntamente. Esta é a melhor inteligência do art. 124, I do CTN, pois, se assim não for, poderá a solidariedade tributária ser identificada em qualquer relação jurídica contratual, por exemplo, o que conduziria à inaceitável conclusão de universalidade da corresponsabilidade tributária.

3- Assim, não se pode dizer, neste caso, que há interesse comum do marido na situação constitutiva do fato gerador do IRPF da esposa, pelo menos na acepção prevista no inciso I do art. 124 do CTN, porquanto se pressupõe, para esse efeito, que tivesse havido participação ativa dele, ao lado da esposa, na produção do fato gerador da percepção dos rendimentos tidos por tributáveis. Tampouco, se poderá dizer haver expressa disposição legal capaz de atribuir a carga tributária a pessoa que não contribuiu para realização do fato previsto como gerador da obrigação, no caso, a percepção de renda.

4- Sobre outro ângulo, em relação ao inciso II do art. 124 do CTN, que estabelece a responsabilidade por expressa disposição legal, também não se pode considerar que seja dado ao legislador amplos poderes para eleger ao seu talante os solidariamente responsáveis pela obrigação tributária. Em outros termos: a quem não reveste a condição de contribuinte, somente se pode atribuir o dever de recolher o tributo, originalmente devido pelo contribuinte, quando, à semelhança do inciso I, existir interesse jurídico entre o sujeito passivo indireto e o fato gerador.

5- O interesse comum, como requisito da corresponsabilidade tributária, envolve, necessariamente, a atuação de mais de uma pessoa na situação de conformação do fato gerador do tributo. Não se trata, portanto, da ulterior fruição comum ou igualitária por mais de uma pessoa dos resultados ou dos proveitos da atividade produtora do aumento de renda dela decorrente. Trata-se, na verdade, de atuação simultânea e conjunta de mais de uma pessoa na anterior situação configuradora do próprio fato gerador. Se assim não fosse, qualquer indivíduo, que auferisse alguma benesse do percebente da renda, poderia ser designado corresponsável tributário.

6- No caso em apreciação, o recorrente foi autuado pelo Fisco Federal para exigir-lhe o pagamento de IRPF sobre os rendimentos auferidos pela sua esposa, percebidos diretamente por ela, como resultado de seu trabalho pessoal, sem que o seu marido tivesse participação alguma na formação do fato gerador correspondente. Trata-se, nesta hipótese, de trabalho individual prestado por ela, junto a órgão das Nações Unidas (PNUD). Por esta razão, o marido não é originariamente coobrigado ao pagamento do IRPF eventualmente incidente sobre aqueles valores, oriundos da prestação de serviço desempenhado diretamente pela sua esposa, embora tenham feito, ulteriormente, a chamada declaração conjunta. Não ocorre, em caso assim, a legitimidade subjetiva passiva da pessoa autuada – o marido – sem prejuízo de a eventual exigência tributária do IRPF vir a ser assestada contra a própria percebente da remuneração, a esposa do recorrente.

7- Registre-se que a entrega da declaração de rendimentos tem natureza jurídica de obrigação tributária apenasmente acessória, consistente no ato formal realizado pelo contribuinte, pelo qual este leva ao conhecimento da autoridade fiscal a ocorrência do fato gerador e demais elementos necessários à feitura do lançamento. Não se trata, aqui, de modificação da responsabilidade de qualquer dos declarantes, visto que a declaração conjunta não é indicativo legal de corresponsabilidade, a qual só deriva do art. 124 do CTN.

8- Por ser apenas uma obrigação acessória destinada à exteriorizar os elementos definidores da exação, a declaração de rendimentos não tem o condão de alterar a sujeição passiva da obrigação tributária, e, especificamente no caso da declaração conjunta de rendimentos, não torna um dos cônjuges sujeito passivo da obrigação tributária em relação aos rendimentos percebidos pelo outro, nos casos em que aquele não tem relação direita com o fato gerador se não adquiriu a disponibilidade econômica de um elemento de riqueza que corresponda à definição legal positiva de rendimento.

9- A interpretação das regras do Direito Tributário deve levar em conta a sua finalidade de proteção do patrimônio do contribuinte, de modo que se lhe assegure, com a máxima efetividade possível, todo o elenco de garantias que o sistema jurídico positivado e os seus princípios gerais disponibilizam em seu favor. Frauda a função protetiva do Direito Tributário a interpretação que onera, sem razão jurídica, o patrimônio de quem não teve participação no fato gerador do tributo que o Ente Tributante pretende arrecadar.

10- Recurso Especial a que se dá provimento. (REsp 1273396-DF, STJ, 1ª T, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 05/12/19, DJE 12/12/19)

"As decisões aqui reproduzidas são apenas informativas."

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