Informativo

22 de janeiro de 2021

Execução fiscal. Incorporação de empresas. Retificação do polo passivo. Desnecessidade de substituição da CDA

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC NÃO CONFIGURADA. EXECUÇÃO FISCAL. INCORPORAÇÃO DE EMPRESAS. RETIFICAÇÃO DO POLO PASSIVO. DESNECESSIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA CDA. HIPÓTESE QUE NÃO COMPORTA A APLICAÇÃO DA SÚMULA 392/STF. MATÉRIA UNIFORMIZADA NA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO DO STJ.

1- A controvérsia sub examine versa sobre Execução Fiscal milionária (R$109,5 milhões, valor original ao tempo da propositura da ação) ajuizada contra empresa incorporada. A recorrente alega nulidade da CDA, gerada em 2017, pois a incorporação ocorreu em 2014.

2- O Tribunal a quo afastou a aplicação da Súmula 392/STJ ao caso, consignando que o crédito tributário foi constituído em 2011 (antes da incorporação) e que a empresa incorporada não formalizou, no contencioso administrativo, comunicação a respeito de tal evento societário (o processo administrativo tramitou no CARF até 2016, sempre indicando o nome da empresa incorporada). Acrescentou que, independentemente disso, a incorporação não interfere na sujeição tributária anterior, mas apenas surte efeitos na satisfação do débito e no direcionamento dos atos executivos, relacionando-se apenas com o instituto da responsabilidade tributária. Além disso, o órgão colegiado registrou que a Súmula 392/STJ não se aplica ao presente caso porque não houve substituição da CDA, mas decisão judicial determinando a inclusão da sociedade incorporada no polo passivo da demanda.

3- A recorrente defende que o feito deveria ter sido extinto porque, em tais casos, seria necessária a substituição da CDA, com a retificação do sujeito passivo; acrescenta que esse procedimento esbarraria na orientação de ser impossível promover tal tipo de alteração, à luz da Súmula 392/STJ: “A Fazenda Pública pode substituir a certidão de dívida ativa (CDA) até a prolação da sentença de embargos, quando se tratar de correção de erro material ou formal, vedada a modificação do sujeito passivo da execução.”

4- Deve ser rechaçada a alegação que a empresa recorrente realçou no Memorial apresentado em 6 de agosto de 2020, isto é, de que o acórdão do Tribunal a quo “deixou claro ter sido a incorporação (…) comunicada à Administração Fazendária antes da expedição da CDA”.

5- Nada há, no acórdão impugnado, que confirme essa assertiva – motivo pelo qual, aliás, a recorrente não transcreveu excertos do provimento jurisdicional que corroborassem sua alegação.

6- Pelo contrário, o que ficou asseverado na decisão recorrida é justamente o contrário, no sentido de que o ato de incorporação não foi levado ao conhecimento do Fisco, pois o processo administrativo de constituição do crédito tributário tramitou até 2016, com atuação da empresa incorporada (fl. 788, e-STJ, destaquei em negrito): “(…) a dívida executada refere-se a valores não pagos de IPI, os quais foram constituídos por meio de auto de infração lavrado em 2011 em desfavor da Companhia de Bebidas das Américas – Ambev, que ofereceu impugnação e seguiu na discussão administrativa dos créditos até o julgamento definitivo pelo CARF em 2016. No acórdão do CARF, é indicado como recorrente a Companhia de Bebidas das Américas – Ambev (cf. evento 19, info5, do processo originário)”.

Como se vê, ainda que a incorporação tenha efeito de extinguir a sociedade incorporada, a Companhia de Bebidas das Américas – Ambev manteve existência jurídica, mesmo que aparente, já que atuava administrativamente na impugnação dos créditos tributários executados na origem (cf. art. 51 do Código Civil: “Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua”). Daí que, a rigor, não há nulidade do título executivo por alegado vício na indicação do “nome do devedor”, já que apontado como devedor o contribuinte que praticou os fatos geradores, contra quem foi lavrado o auto de infração e que atuou durante toda a discussão administrativa: Companhia de Bebidas das Américas – Ambev.

7- A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 1.022 do CPC.

8- A necessidade de análise da exegese do art. 51 do CC ou da circunstância de que as intimações no processo administrativo já teriam sido endereçadas à empresa sucessora somente seria relevante (para fins de configuração do vício da omissão) se a recorrente demonstrasse que seu enfrentamento modificaria a linha de entendimento adotada no acórdão hostilizado. Mas isso não ocorreu nem em relação ao decisum recorrido nem no que se refere à compreensão ora adotada (relembre-se que o fundamento adotado pelo Tribunal a quo é de que a CDA deve ser preservada, e não substituída, pois o caso é de mera retificação no polo passivo da ação judicial, independentemente de ajustes na CDA).

9- A jurisprudência das Turmas que compõem a Seção de Direito Público era controvertida no que tange à incidência da Súmula 392/STJ em situação similar à dos autos. Todavia, por ocasião do julgamento dos EREsp 1.695.790-SP (Rel. Ministro Gurgel de Faria, DJE 26/03/2019), consagrou-se a orientação de que a sucessão empresarial não se equipara à hipótese de identificação errônea do sujeito passivo, pois a empresa sucessora assume todo o patrimônio da empresa sucedida, respondendo em nome próprio pela dívida desta última, independentemente de qualquer outra diligência do ente público credor.

10- Note-se, ademais: a) a Certidão de Dívida Ativa espelha os dados do procedimento de constituição do crédito tributário, ou seja, do lançamento fiscal, que de modo incontroverso foi realizado (2011) antes da incorporação (2014), motivo pelo qual não há qualquer irregularidade na indicação do nome da empresa sucedida na CDA; b) a recorrente nem mesmo discute a responsabilidade tributária decorrente da incorporação; pretende apenas anular a Execução Fiscal com base em questão de natureza meramente formal, suscitando tese que corromperia o ordenamento jurídico, pois, em vez de conferir maior celeridade em favor da recuperação dos créditos da Fazenda Pública (finalidade maior que justificou a edição da Lei de Execução Fiscal), a posicionaria em situação de inferioridade aos demandantes em geral, aos quais é assegurada a possibilidade de simples retificação do polo passivo (art. 321 do CPC), antes de se proceder ao indeferimento da petição inicial.

11- Como se vê, a solução da lide não demanda a retificação da CDA, mas a mera regularização no polo passivo do feito, devendo se sujeitar à legislação que disciplina o processo civil (especialmente o art. 321 do CPC), bem como aos princípios que o norteiam (notadamente o da primazia do mérito, evitando-se o emprego de subterfúgios incompatíveis com os princípios da boa-fé e da lealdade processual, usados para maliciosa e desnecessariamente extinguir o feito, sem resolução do mérito).

12- Recurso Especial não provido. (REsp 1780156-RS, STJ, 2ª T, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 13/10/2020, DJE 18/12/2020)

"As decisões aqui reproduzidas são apenas informativas."

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