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19 de agosto de 2022

STJ. IRPF. Transmissão causa mortis de participação societária. Posterior alienação. Isenção do DL 1.510/76. Não aplicação

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS DE PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. ISENÇÃO. DECRETO-LEI 1.510/1976. POSTERIOR ALIENAÇÃO DAS COTAS SOCIAIS, PELO SUCESSOR, QUANDO JÁ REVOGADA A NORMA ISENTIVA. MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO, EM RAZÃO DO PRINCÍPIO DA SAISINE. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAR NORMAS DE DIREITO CIVIL PARA ATRIBUIR EFEITOS TRIBUTÁRIOS NÃO PREVISTOS EXPRESSAMENTE NA NORMA DE ISENÇÃO. ART. 111 DO CTN. DESNECESSIDADE DE REVISÃO JURISPRUDENCIAL. DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA

1- Discute-se a isenção de Imposto de Renda na operação de transferência, pelo sucessor causa mortis, de participação acionária. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a isenção tributária compreende apenas a transmissão por sucessão, de modo que a posterior alienação da participação acionária, pelo herdeiro, realizada em momento no qual a isenção havia sido previamente revogada (pela Lei 7.713/1988), encontra-se sujeita à incidência de Imposto de Renda. Precedentes: AgInt nos EDcl no REsp 1.573.652/PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 22.10.2018; AgInt no REsp 1.647.630/SP, Rel. Min. Regina Helena Costa, DJe de 10.5.2017; REsp 1.632.483/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 14.11.2016. DESINFLUÊNCIA DA ALTERAÇÃO NA REDAÇÃO DO ART. 4º, “B”, DO DL 1.510/1976 PELO DL 1.579/1977

2- A alteração no art. 4º, “b”, do Decreto-Lei 1.510/1976 se deu pelo Decreto-Lei 1.579/1977, mediante substituição da palavra “alienação” pelo termo “transmissão”. A disciplina jurídica do tema controvertido já estava em vigor no momento de consolidação da jurisprudência do STJ, o que sugere inexistência de fundamento plausível para cogitar revisão da jurisprudência desta Corte, até mesmo pelo indesejável comprometimento da segurança jurídica e da estabilidade dos precedentes.

3- Ademais, registra-se que, desde 1977, a legislação tributária expressamente indicou que o benefício da isenção abrange tanto (i) as alienações “promovidas após decorrido o período de cinco anos da data da subscrição ou aquisição da participação” (art. 4º, “d”) como (ii) as transmissões “mortis causa” (art. 4º, “b”).

4- A discussão a respeito da existência de contraprestação, ou de onerosidade, como se vê, não afeta a disciplina concedida à específica situação das transmissões “mortis causa” – isto é, este fato autônomo (transmissão mortis causa, em contraposição à alienação inter vivos) atrai a aplicação de norma específica do regime isentivo. TRANSFERÊNCIA MORTIS CAUSA E POSTERIOR ALIENAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. REGIME LEGAL DE ISENÇÃO. DOIS MOMENTOS ABSOLUTAMENTE DISTINTOS.

5- Ainda nesse ponto (transmissão “mortis causa”), convém esclarecer que há dois momentos distintos a serem considerados: a) o da transmissão em razão do falecimento do titular das cotas sociais, em que pode haver ganho de capital (em benefício do sucessor); e b) a data da alienação com ganho de capital, promovida pelo sucessor.

6- A esse respeito, o art. 4º, “b”, do Decreto-Lei 1.510/1976, seja em sua redação original (alienação “mortis causa”), seja na redação que entrou em vigor um ano após (redação conferida pelo Decreto-Lei 1.579/1977 – transmissão “mortis causa”), expressamente concedeu isenção em favor do herdeiro naquele primeiro momento (naturalmente, ante a hipótese de que, nesse evento, houvesse ganho de capital).

7- Diferentemente, a citada legislação, em momento algum, prescreveu que na segunda operação de transferência de titularidade da participação acionária (relembre-se: a primeira, consistente na transmissão do de cujus para seu sucessor, e a segunda por ocasião da venda, por este, da referida participação para terceiros) seria mantido o benefício da isenção.

8- Paralelamente a tal constatação, tem-se, como é sabido, que a Lei 7.713/1988 expressamente revogou o benefício da isenção. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO LITERAL DE NORMAS DE DIREITO CIVIL PARA DEFINIR, POR SI, EFEITOS TRIBUTÁRIOS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 109 DO CTN.

9- O entendimento favorável à aplicação da legislação cível (Código Civil), segundo o qual, na transmissão de bens e direitos, preserva-se a situação original destes (princípio da saisine), tem potencial para seduzir, mas não resiste, data venia, à análise sistemática do ordenamento jurídico. Trata-se de um sofisma: vale-se de premissa verdadeira para justificar conclusão, s.m.j., equivocada.

10- Isso porque não se deve olvidar que a legislação tributária pode valer-se dos institutos ou conceitos de Direito Civil, mas possui liberdade para modificar os respectivos efeitos tributários (art. 109 do CTN): “Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários”.

11- Melhor exemplo a respeito dessa distinção é o tema da capacidade jurídica, relativamente aos atos e/ou negócios jurídicos que envolvem a presença de menor (de 16 anos, ou com idade entre 16 e 18 anos): embora a legislação civil defina a incapacidade absoluta (art. 3º do CC) ou relativa do menor (art. 4º, I, do CC), prevendo a possibilidade de anulação de atos jurídicos celebrados com menores sem assistência de seus representantes legais, a legislação tributária, autônoma, atribui ao menor plena capacidade tributária, independentemente da idade. Assim, o menor incapaz pode figurar como contribuinte em relação jurídica de natureza tributária (art. 121, I, do CTN), ainda que a lei fixe a responsabilidade pelo pagamento do tributo aos seus representantes legais – quando verificada a impossibilidade da exigência do cumprimento, pelo menor, da obrigação principal (art. 134, I, do CTN).

12- É imperioso ter em consideração que os efeitos tributários podem diferir do tratamento dado pela lei civil (art. 109 do CTN), excetuada a hipótese em que se pretender, para alterar a competência tributária, modificar institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados diretamente na Constituição Federal, na Constituição Estadual ou nas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios.

13- Dito isso, é irrelevante discutir, segundo a interpretação isolada e literal dos dispositivos do Código Civil, se os direitos transmitidos por sucessão causa mortis preservam o caráter original ou não. Conforme dito, a questão em debate diz respeito não à disciplina civil do fato jurídico, mas aos efeitos tributários, os quais, em respeito ao princípio da legalidade, devem ser disciplinados por lei específica (lei tributária).

14- E, nesse ponto, é inquestionável, conforme acima dito, que a legislação tributária, enquanto vigente, concedeu o benefício da isenção, em relação à sucessão causa mortis, somente para o ganho de capital apurado na primeira alteração da titularidade (isto é, na transmissão do de cujus para o seu sucessor). Mesmo na vigência da citada norma, não havia previsão concedendo isenção para a segunda operação de transferência (a alienação onerosa, do herdeiro para terceiros, da participação acionária).

15- Tratando-se de isenção tributária, o art. 111, II, do CTN impõe a técnica de interpretação literal, sendo impossível, portanto, aplicar por analogia a disciplina atribuída pela legislação cível para dispor, contra legem, a respeito dos efeitos tributários. CONCLUSÃO.

16- Dessa forma, a conclusão a que se chega é que o art. 4º, “b”, do Decreto-Lei 1.510/1976 concedeu isenção apenas para transmissão da participação acionária “mortis causa”, não ampliando abrangência para momento posterior – ressalvada, exclusivamente, a hipótese em que a própria aquisição por herança se desse durante a vigência do Decreto-Lei 1.510/1976 e o sucessor permanecesse na respectiva posse pelo período de cinco anos, necessariamente anteriores à revogação do benefício pela Lei 7.713/1988, e depois promovesse a sua alienação onerosa (note-se: única hipótese em que o benefício seria mantido em favor do sucessor, segundo a jurisprudência do STJ, mas agora em virtude da incidência do art. 4º, “d”, da citada norma).

17- Recurso Especial não provido. (REsp 1.650.844-SP, STJ, 2ª T, Rel. p/o Acórdão Min. Herman Benjamin, j. 07/06/22, DJE 15/08/22)

"As decisões aqui reproduzidas são apenas informativas."

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