Informativo

25 de janeiro de 2019

Repetição de indébito. Ausência de requerimento administrativo. Inexistência de resistência da Administração Fazendária. Interesse processual.

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. INTERESSE PROCESSUAL. INEXISTÊNCIA DE RESISTÊNCIA DA ADMINISTRAÇÃO FAZENDÁRIA.

1 – Trata-se, na origem, de Ação Ordinária de Restituição de Indébito Previdenciário para assegurar o direito da parte autora de repetir os valores das contribuições previdenciárias pagas a maior nos últimos 5 (cinco) anos.

2 – A parte recorrente argumenta que o Acórdão está omisso, que não resistiu à pretensão formulada na ação, não apresentando contestação e juntando os valores que entende devidos, e que inexiste interesse processual da parte recorrida por não ter apresentado requerimento administrativo.

3 – Constato que não se configura a ofensa ao art. 1.022 do Código de Processo Civil/2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, em conformidade com o que lhe foi apresentada. Não é o órgão julgador obrigado a rebater, um a um, todos os argumentos trazidos pelas partes em defesa da tese que apresentaram. Deve apenas enfrentar a demanda, observando as questões relevantes e imprescindíveis à sua resolução. Nesse sentido: REsp 927.216/RS, Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 13.8.2007; e REsp 855.073/SC, Primeira Turma, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, DJ de 28.6.2007.

4 – Não se pode conhecer da irresignação contra a afronta aos arts. 85 e 485, VI, do CPC/2015, pois os referidos dispositivos legais não foram analisados pela instância de origem. Ausente, portanto, o requisito do prequestionamento, o que atrai, por analogia, o óbice da Súmula 282/STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”.

5 – Quanto à alegação da ausência de interesse de agir da parte recorrida em relação ao direito subjetivo de realizar a repetição dos valores dos últimos 5 (cinco) anos, entendo que merece prosperar a pretensão recursal. Compreende-se que, efetivamente, o direito de ação garantido pelo art. 5º, XXXV, da CF tem como legítimo limitador o interesse processual do pretenso autor da ação (CPC/2015 – Art. 17. Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade). O interesse de agir, também chamado interesse processual, caracteriza-se pela materialização do binômio necessidade-utilidade da atuação jurisdicional. A existência de conflito de interesses no âmbito do direito material faz nascer o interesse processual para aquele que não conseguiu satisfazer consensualmente seu direito.

6 – Substanciado pelo apanhado doutrinário e jurisprudencial, tem-se que a falta de postulação administrativa dos pedidos de compensação ou de repetição do indébito tributário resulta, como no caso dos autos, na ausência de interesse processual dos que litigam diretamente no Poder Judiciário. O pedido, nesses casos, carece do elemento configurador de resistência pela Administração Tributária à pretensão. Não há conflito. Não há lide. Não há, por conseguinte, interesse de agir nessas situações. O Poder Judiciário é a via destinada à resolução dos conflitos, o que também indica que, enquanto não houver resistência da Administração, não há interesse de agir daquele que “judicializa” sua pretensão.

7 – Dois aspectos merecem ser observados quanto a matérias com grande potencial de judicialização, como a tributária e a previdenciária. O primeiro, sob a ótica da análise econômica do direito, quando o Estado brasileiro realiza grandes despesas para financiar o funcionamento do Poder Executivo e do Poder Judiciário para que o primeiro deixe de exercer sua competência legal de examinar os pedidos administrativos em matéria tributária; e o segundo, em substituição ao primeiro, exerce a jurisdição em questões que os cidadãos poderiam ver resolvidas de forma mais célere e menos dispendiosa no âmbito administrativo. Criam-se, assim, um ciclo vicioso e condenações judiciais a título de honorários advocatícios cujos recursos financeiros poderiam ser destinados a políticas públicas de interesse social.

8 – Outro ponto a ser considerado é o estímulo criado pelo Novo Código de Processo Civil de 2015 à solução consensual da lide, prevendo uma série de instrumentos materiais e processuais que direcionam as partes para comporem, de forma autônoma e segundo sua vontade, o objeto do litígio.

9 – Em matéria tributária a questão já foi apreciada no âmbito do STJ que consolidou o entendimento da exigência do prévio requerimento administrativo nos pedidos de compensação das contribuições previdenciárias. Vejam-se: AgRg nos EDcl no REsp 886.334/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 10/8/2010, DJe 20/8/2010; REsp 952.419/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 2/12/2008, DJe 18/12/2008; REsp 888.729/SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 27/2/2007, DJ 16/3/2007, p. 340; REsp 544.132/RJ, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 23/5/2006, DJ 30/6/2006, p. 166.

10 – Na esfera previdenciária, na área de benefícios do Regime Geral de Previdência Social, o STJ, no julgamento do Recurso Especial Repetitivo 1.369.834/SP (Tema 660), Relator Ministro Benedito Gonçalves, alinhando-se ao que foi firmado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 631.240/MG (Tema 350, Relator Ministro Roberto Barroso), entendeu pela necessidade do prévio requerimento administrativo.

11 – O Ministro Luís Roberto Barroso, no citado precedente, estabeleceu algumas premissas em relação à exigência do prévio requerimento administrativo: a) a instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo; b) a concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se configurando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise; c) a imposição de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas; d) a exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o posicionamento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado; e) na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de deferir a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração -, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento, ao menos tácito, da pretensão.

12 – Como as matérias tributária e previdenciária relacionadas ao Regime Geral de Previdência Social possuem natureza jurídica distinta, mas complementares, pois, em verdade, tratam-se as relações jurídicas de custeio e de benefício (prestacional) titularizadas pela União e pelo INSS, respectivamente, com o fim último de garantir a cobertura dos riscos sociais de natureza previdenciária, entende-se que a ratio decidendi utilizada quando do julgamento da exigência ou não do prévio requerimento administrativo nos benefícios previdenciários pode também ser adotada para os pedidos formulados à Secretaria da Receita Federal concernentes às contribuições previdenciárias.

13 – Recurso Especial conhecido em parte e, nessa parte, provido. (REsp 1734733/PE, STJ, 2ª T, Rel. Min. Herman Benjamin, j. 07/06/2018, DJe 28/11/2018)

"As decisões aqui reproduzidas são apenas informativas."

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