Informativo

2 de outubro de 2020

Consulta ao Secretário da Receita Federal sem as formalidades legais. Caráter informal e não vinculativo. Válida e eficaz a autuação fiscal posterior

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ E CSLL. CONSULTA PRÉVIA AO SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL. DECISÃO ADMINISTRATIVA POSTERIOR. INEFICÁCIA DA DECISÃO ADMINISTRATIVA ANTERIOR. AUTUAÇÃO FISCAL VÁLIDA. DISPOSITIVOS LEGAIS APONTADOS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. MATÉRIA QUE CARECE DE EXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS N. 5 E 7/STJ. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 458 e 535 DO CPC/1973. INEXISTÊNCIA.

I- O presente feito, que decorre de impetração de mandado de segurança, teve origem com a composição entabulada entre a recorrente, Companhia Paulista de Força e Luz – CPFL, e a Fundação CESP, visando à quitação de dívida decorrente de déficit advindo do plano de complementação de aposentadorias e pensões dos empregados da Companhia, administrado pela Fundação CESP, por meio da qual a Fundação quitaria a dívida da CPFL, que pagaria o valor respectivo em 20 anos.

II- Apresentando a tese de ocorrência de novação, a Companhia, com supedâneo no art. 301 do RIR/1994, consultou o Secretário da Receita Federal, sem atender ao procedimento da consulta administrativa descrita nos arts. 48 a 50 da Lei n. 9430/1996, recebendo parecer favorável, com a edição de nota técnica acerca da legalidade do lançamento do valor da operação como despesa operacional no exercício, deduzindo o respectivo montante das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, com a consequente apuração de prejuízo fiscal e transformação das importâncias recolhidas a título de imposto e de contribuição na forma de estimativa, durante o referido exercício e início de 1998, em crédito a favor do contribuinte.

III- Após ulterior fiscalização da Receita Federal, foi assentado pela Procuradoria da Fazenda Nacional, por meio de parecer e nota técnica, que a anterior manifestação da autoridade fazendária, fundada em informações unilaterais, além de não refletir a real situação fiscal da consulente, não teve caráter vinculativo, e que a situação apresentada não conferia à contribuinte o direito de deduzir os mencionados valores nas bases de cálculos do IR e da CSLL, tendo em vista que a operação implementada pela Companhia CPFL e pela Fundação CESP, de acordo com as suas peculiaridades e em atenção às normas, não configura novação, ou seja, não subsistiria a troca de uma dívida previdenciária por uma dívida financeira.

IV- A partir dessa conclusão, houve ajuizamento de execução fiscal, no valor de R$ 299.326.370,58, em 19/11/2004, importância que, atualizada para 21/05/2019, corresponde a R$ 511.079.118,37.

V- Impetrado mandado de segurança objetivando a não submissão aos efeitos da autuação fiscal, foi ele julgado improcedente, decisão confirmada no acórdão ora recorrido.

VI- Impõe-se o afastamento de alegada violação dos arts. 458 e 535 do CPC/1973, quando a questão apontada como omitida pelo recorrente foi examinada no acórdão recorrido, tendo o julgador se manifestado sobre todas as questões pertinentes à litis contestatio, afastando a pretensa nulidade da sentença e confirmando a decisão apelada, com base na interpretação dos fatos e fundamentos apresentados.

VII- Verificada a falta de exame das matérias constantes dos dispositivos legais indicados como violados, mostra-se de rigor a incidência da Súmula n. 282/STF, especificamente quanto aos arts. 125, I, 128, e 460, todos do CPC/73, arts. 100, I, parágrafo único, 109 e 110, todos do CTN; art. 13, V, da Lei n. 9.249/1995; e art. 2º, parágrafo único, IX, da Lei n. 9.784/1999, diante da ausência do devido prequestionamento, imprescindível ao conhecimento do recurso especial.

VIII- Inviável o conhecimento da parcela recursal, quando a questão jurídica imanente ao artigo de lei apontado como malferido atrai a necessidade de exame do conjunto probatório, incluindo contratos e documentos carreados pelas partes. Incidência das Súmulas n. 5 e 7, ambas do STJ.

IX- Evidenciados os óbices das Súmulas 5 e 7 do STJ quando pretende o recorrente modificar as conclusões alcançadas na seguintes passagens do acórdão recorrido: a) sobre o art. 131 do CPC/73 – “Segundo os termos expressos do artigo 131 do Código de Processo Civil, ao juiz é dado ‘apreciar livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes’, cumprindo-lhe, nesse casos, ‘indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento’. A sentença atende a esses requisitos. Valeu-se o juiz de primeiro grau de fatos expostos no mandado de segurança, analisando, com percuciência, os elementos tendentes a caracterizar o direito líquido e certo invocado pela impetrante”; b) sobre os demais artigos: “Como bem posto pelo magistrado de primeiro grau não se pode reconhecer a força vinculativa da decisão administrativa resultado da Nota/MF/SRF/COSIT/GA n. 157/1998, vez que essa mesma decisão atenta contra ‘inúmeros princípios da administração pública (impessoalidade, moralidade, eficiência)’ e ‘nem poderia a Receita Federal aceitar a consulta dita informal, fora dos padrões da lei; nem poderia se pronunciar sem exigir todos os elementos; não poderia a Receita Federal se precipitar em um pronunciamento para atender a urgência do contribuinte; e muito menor conceder pareceres informais, isto é, tornando-se atividade consultiva privada’ (fls. 1605). […] “A interpretação dada ao caso pelo juiz de primeiro grau deve ser privilegiada e mantida. Com efeito, não se demonstrou, in concreto, ter ocorrido a figura da novação da dívida, vez que segundo entendimento já sedimentado no Egrégio Superior Tribunal de Justiça, escorado em disposições do Código Civil, tanto o alongamento de dívida ou o acordo de parcelamento, não geram novação (REsp. 166.328-MG, STJ, Rel. Min. Sálvio De Figueiredo Teixeira e AgRgMC 1.519-SP, Rel. Min. Garcia Vieira). Aliás, como bem posto pela sentença de primeiro grau, ‘mesmo que houvesse novação, não poderia deduzir os valores nos termos previstos na Lei 9249/1995, artigo 13, inciso V. E o artigo 301 do Regulamento do IR/1994 faz expressa menção ao pagamento para se efetivar a dedução; no caso, pagamento, no sentido empregado pelo Direito Civil, não existiu’ (fls. 1610). Portanto, em ocorrendo anulação da decisão administrativa, por vício de legalidade, não se há de falar em alteração de critério jurídico, ex vi do artigo 146, do CTN, pois como verificado pelo juiz de primeiro grau, no concreto a apreciação trazida a juízo ‘versa sobre a possibilidade de revisão do resultado da consulta a partir da verificação de inverdade, ou melhor, narração incompleta dos fatos pela impetrante na sua formulação'”.

X- Mesmo que afastados todos os empeços acima referidos, observa-se que o lançamento do débito quitado como despesa operacional e a posterior dedução do montante da base de cálculo do IR e CSLL foram levados a efeito após consulta ao Secretário da Receita Federal, consulta, todavia, que não se ateve à disciplina normativa dos arts. 48 a 50 da Lei n. 9.430/1996 (procedimento administrativo de consulta), assumindo, em decorrência disso, caráter informal e não vinculativo. Por isso mesmo, perfeitamente válida e eficaz a autuação fiscal posteriormente implementada, lastreada por parecer da Procuradoria da Fazenda Nacional e Nota técnica, no qual se explicitou que a anterior manifestação da autoridade fazendária, fundada em informações unilaterais, além de não refletir a real situação fiscal da consulente, não teve caráter vinculativo, e que a situação apresentada não conferia à contribuinte o direito de deduzir os mencionados valores nas bases de cálculos do IR e da CSLL, tendo em vista que a operação implementada pela Companhia CPFL e pela Fundação CESP, de acordo com as suas peculiaridades e em atenção às normas, não configura novação, ou seja, não subsistiria a troca de uma dívida previdenciária por uma dívida financeira.

XI- Recurso especial parcialmente conhecido – na porção em que suscita violação aos arts. 458 e 535 do CPC/1973 – e, nesta parte, improvido.

(REsp 1582681-SP, STJ, 2ª T, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 17/09/2019, DJE 25/09/2020)

"As decisões aqui reproduzidas são apenas informativas."

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