PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. CRÉDITOS DO REINTEGRA. INCIDÊNCIA DE IRPJ E DA CSLL. DIVERGÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO. AUSÊNCIA. ICMS. CRÉDITOS PRESUMIDOS CONCEDIDOS A TÍTULO DE INCENTIVO FISCAL. INCLUSÃO NAS BASES DE CÁLCULO DO IRPJ E DA CSLL. INVIABILIDADE. TRIBUTAÇÃO FUNDADA EM ATOS INFRALEGAIS. INTERFERÊNCIA DA UNIÃO NA POLÍTICA FISCAL ADOTADA POR ESTADO-MEMBRO. OFENSA AO PRINCÍPIO FEDERATIVO E À SEGURANÇA JURÍDICA. BASE IMPONÍVEL. OBSERVÂNCIA DOS ELEMENTOS QUE LHES SÃO PRÓPRIOS. RELEVÂNCIA DE ESTÍMULO FISCAL OUTORGADO POR ENTE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO FEDERATIVO. ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. INCONSTITUCIONALIDADE ASSENTADA EM REPERCUSSÃO GERAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE N. 574.706/PR). AXIOLOGIA DA RATIO DECIDENDI APLICÁVEL À ESPÉCIE. CRÉDITOS PRESUMIDOS. PRETENSÃO DE CARACTERIZAÇÃO COMO RENDA OU LUCRO. IMPOSSIBILIDADE. CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO COM O MISTER DE CONFORMAR O ACÓRDÃO EMBARGADO À TESE JÁ FIXADA E CONSOLIDADA DESTE STJ.
I- Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Aplica-se, in casu, o Código de Processo Civil de 1973.
II- Para a admissão dos embargos de divergência, os acórdãos embargados e paradigmas devem possuir similitude fática e conclusões jurídicas discrepantes, nos termos dos arts. 255 e 266 do RISTJ. É assente o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, para se comprovar a divergência jurisprudencial, impõe-se que os acórdãos confrontados tenham apreciado matéria idêntica à dos autos, à luz da mesma legislação federal, dando-lhes, porém, soluções distintas.
III- Ausente a integral similitude fática entre os acórdãos embargado e paradigma, porquanto esse último cinge-se à apreciação da inclusão do crédito presumido de ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL, silenciando quanto ao montante concernente ao REINTEGRA.
IV- A discussão cognoscível cinge-se à exclusão de crédito presumido do ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, tema já pacificado por esta Seção na apreciação do EREsp n. 1.517.492-PR, de minha relatoria para o acórdão, julgado em 08/11/2017, DJE 01/02/2018, e reafirmado por tal órgão jurisdicional, inclusive com referência expressa pela inaplicabilidade da cláusula de reserva de plenário no AgInt nos EDv nos EREsp n. 1.603.082-SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 03/12/2019, DJE 05/12/2019.
V- O dissenso entre os acórdãos paradigma e o embargado repousa no fato de que o primeiro manifesta o entendimento de que o incentivo fiscal, por implicar redução da carga tributária, acarreta, indiretamente, aumento do lucro da empresa, insígnia essa passível de tributação pelo IRPJ e pela CSLL; já o segundo considera que o estímulo outorgado constitui incentivo fiscal, cujos valores auferidos não podem se expor à incidência do IRPJ e da CSLL, em virtude da vedação aos entes federativos de instituir impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros.
VI- Ao considerar tal crédito como lucro, o entendimento manifestado pelo acórdão paradigma, da 2ª Turma, sufraga, em última análise, a possibilidade de a União retirar, por via oblíqua, o incentivo fiscal que o Estado-membro, no exercício de sua competência tributária, outorgou.
VII- Tal orientação leva ao esvaziamento ou redução do incentivo fiscal legitimamente outorgado pelo ente federativo, em especial porque fundamentado exclusivamente em atos infralegais, consoante declinado pela própria autoridade coatora nas informações prestadas.
VIII- O modelo federativo abraça a concepção segundo a qual a distribuição das competências tributárias decorre dessa forma de organização estatal e por ela é condicionada.
IX- Em sua formulação fiscal, revela-se o princípio federativo um autêntico sobreprincípio regulador da repartição de competências tributárias e, por isso mesmo, elemento informador primário na solução de conflitos nas relações entre a União e os demais entes federados.
X- A Constituição da República atribuiu aos Estados-membros e ao Distrito Federal a competência para instituir o ICMS e, por consequência, outorgar isenções, benefícios e incentivos fiscais, atendidos os pressupostos de lei complementar.
XI- A concessão de incentivo por ente federado, observados os requisitos legais, configura instrumento legítimo de política fiscal para materialização da autonomia consagrada pelo modelo federativo.
Embora represente renúncia a parcela da arrecadação, pretende-se, dessa forma, facilitar o atendimento a um plexo de interesses estratégicos para a unidade federativa, associados às prioridades e às necessidades locais coletivas.
XII- A tributação pela União de valores correspondentes a incentivo fiscal estimula competição indireta com o Estado-membro, em desapreço à cooperação e à igualdade, pedras de toque da Federação.
XIII- O juízo de validade quanto ao exercício da competência tributária há de ser implementado em comunhão com os objetivos da Federação, insculpidos no art. 3º da Constituição da República, dentre os quais se destaca a redução das desigualdades sociais e regionais (inciso III), finalidade da desoneração em tela, ao permitir o barateamento de itens alimentícios de primeira necessidade e dos seus ingredientes, reverenciando o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento maior da República Federativa brasileira (art. 1º, III, CR).
XIV- Não está em xeque a competência da União para tributar a renda ou o lucro, mas, sim, a irradiação de efeitos indesejados do seu exercício sobre a autonomia da atividade tributante de pessoa política diversa, em desarmonia com valores éticos-constitucionais inerentes à organicidade do princípio federativo, e em atrito com o princípio da subsidiariedade, que reveste e protege a autonomia dos entes federados.
XV- O abalo na credibilidade e na crença no programa estatal proposto pelo Estado-membro acarreta desdobramentos deletérios no campo da segurança jurídica, os quais não podem ser desprezados, porquanto, se o propósito da norma consiste em descomprimir um segmento empresarial de determinada imposição fiscal, é inegável que o ressurgimento do encargo, sob outro figurino, resultará no repasse dos custos adicionais às mercadorias, tornando inócua, ou quase, a finalidade colimada pelos preceitos legais, aumentando o preço final dos produtos especificados.
XVI- A base de cálculo do tributo haverá sempre de guardar pertinência com aquilo que pretende medir, não podendo conter aspectos absolutamente impertinentes à própria materialidade contida na hipótese de incidência.
XVII- Nos termos do art. 4º da Lei n. 11.945/2009, a própria União reconheceu a importância da concessão de incentivo fiscal pelos Estados-membros e Municípios, prestigiando essa iniciativa precisamente com a isenção do IRPJ e da CSLL sobre as receitas decorrentes de valores, em espécie, pagos ou creditados por esses entes a título de ICMS e ISSQN, no âmbito de programas de outorga de crédito voltados ao estímulo à solicitação de documento fiscal na aquisição de mercadorias e serviços.
XVIII- O STF, ao julgar, em regime de repercussão geral, o RE n.
574.706/PR, assentou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, sob o entendimento de que o valor de ICMS não se incorpora ao patrimônio do contribuinte, constituindo mero ingresso de caixa, cujo destino final são os cofres públicos. Axiologia da ratio decidendi que afasta, com ainda mais razão, a pretensão de caracterização, como renda ou lucro, de créditos presumidos outorgados no contexto de incentivo fiscal.
XIX- O crédito presumido de ICMS, a par de não se incorporar ao patrimônio da contribuinte, não constitui lucro, base imponível do IRPJ e da CSLL.
XX- Recurso que cumpre o singelo mister de conformar o acórdão embargado à tese já fixada e consolidada deste Superior Tribunal de Justiça (EREsp n. 1.517.492/PR).
XXI- Embargos de Divergência conhecidos em parte e, nessa extensão, providos. (EREsp 1443771-RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Regina Helena Costa, STJ, 1ª S, j. 14/04/2021, DJE 28/04/2021)