Informativo

25 de março de 2022

Benefícios tributários federais para compensar pandemia não podem ser estendidos a estados sem lei específica

​A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o pedido de uma empresa que, alegando dificuldade para quitar seus débitos com o fisco estadual em razão da crise econômica gerada pela pandemia da Covid-19, pretendia obter benefícios tributários equivalentes aos concedidos em nível federal.

Para o colegiado, não é possível, sem lei específica do próprio estado, estender para tributos estaduais os efeitos de normas aplicáveis no âmbito dos tributos federais ou do Simples Nacional, ou mesmo os benefícios concedidos por alguma outra unidade da Federação.

Em mandado de segurança, no qual imputou à decretação de calamidade pública no estado os problemas que passou a enfrentar, a empresa pleiteou a suspensão do pagamento de tributos estaduais já parcelados, no período de março a dezembro de 2020, com a transferência de seu vencimento para o fim do parcelamento.

Tripartição dos poderes e igualdade material

De acordo com a impetrante, a Portaria 12/2012 do Ministério da Fazenda autorizou a postergação do pagamento de tributos federais para os contribuintes de municípios abrangidos pela decretação de calamidade pública em nível estadual, e essa norma, por simetria, deveria ser aplicada também aos tributos estaduais. Ela acrescentou que igual medida foi adotada pela Portaria 218/2020 da Receita Federal para os contribuintes de áreas do Espírito Santo colocadas sob estado de calamidade por decreto estadual.

Sustentando haver ofensa ao princípio da isonomia, a empresa apontou ainda que a Resolução 152/2020 do Conselho Gestor do Simples Nacional prorrogou o vencimento de parcelamentos para as empresas integrantes do sistema, e que a Resolução 4.532/2020 da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro tomou igual providência quanto aos tributos estaduais. Segundo a impetrante, não seria isonômico a administração pública direcionar suas políticas de auxílio durante a pandemia apenas para as micro e pequenas empresas.

O pedido foi negado pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), sob o fundamento de que cabe aos estados legislar sobre os tributos de sua responsabilidade – inclusive no que diz respeito a isenções, prorrogações e cobranças – e que qualquer decisão do Judiciário contrariando tal premissa violaria a autonomia do ente federado e a tripartição dos poderes.

A corte local considerou ainda que não há quebra de isonomia, pois a igualdade material pressupõe tratamento desigual, na medida de suas desigualdades, para os que se encontram em situação de maior vulnerabilidade – caso das micro e pequenas empresas.

Não cabe ao Judiciário definir políticas públicas a serem adotadas pelo Executivo

A relatora do recurso da empresa no STJ, ministra Assusete Magalhães, destacou que, embora o Judiciário reconheça os efeitos negativos da Covid-19 na atividade econômica, o Supremo Tribunal Federal (STF), julgando um caso parecido, declarou que não cabe ao juiz decidir quem deve ou não pagar impostos, ou mesmo quais políticas públicas devem ser adotadas para amenizar os prejuízos da pandemia, sob pena de substituir a atuação dos gestores responsáveis pela condução dos destinos do Estado.

A magistrada mencionou que, para o STF, “a intervenção do Poder Judiciário na esfera de discricionariedade de uma escolha política deve cingir-se ao exame de legalidade e constitucionalidade, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos Poderes, tendo em vista que não cabe ao juiz agir como legislador positivo”.

Diante disso, a relatora, seguida de forma unânime pela turma julgadora, manteve o acórdão do tribunal estadual.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): RMS 67443

Notícia STJ, 23/03/2022 07:30

TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PRETENSÃO DE SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DE VENCIMENTO E DE POSTERGAÇÃO DO PRAZO DE PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES DOS PARCELAMENTOS DE TRIBUTOS ESTADUAIS, EM RAZÃO DA PANDEMIA (COVID-19). MEDIDA PRETENDIDA SUJEITA À DISCRICIONARIEDADE DOS PODERES EXECUTIVO OU LEGISLATIVO. IMPOSSIBILIDADE DE SUA CONCESSÃO, PELA VIA JUDICIAL, À MÍNGUA DE PREVISÃO NA LEGISLAÇÃO ESTADUAL. PRECEDENTES DO STF. RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO.

I- Recurso em Mandado de Segurança interposto contra acórdão publicado na vigência do CPC/2015.

II- Na origem, trata-se de Mandado de Segurança, impetrado em 03/04/2020, visando a suspensão temporária de vencimento e a postergação do prazo de pagamento das prestações dos parcelamentos de tributos estaduais aos quais aderiu a impetrante, até o fim do estado de calamidade pública decorrente da pandemia causada pelo coronavírus (COVID-19), determinando-se o vencimento das parcelas suspensas para após a parcela final do parcelamento. Na inicial a impetrante invoca a Portaria 12, de 20/01/2012, do Ministério da Fazenda, que prorrogou o prazo para pagamento de tributos federais e dos parcelamentos, para contribuintes domiciliados em municípios abrangidos por decreto estadual que tenha reconhecido estado de calamidade pública, bem como a Portaria da Receita Federal do Brasil 218, de 05/02/2020, que tomou igual medida quanto a contribuintes domiciliados em Municípios do Espírito Santo, em relação aos quais fora declarado estado de calamidade pública por decreto estadual.

Sustenta ofensa ao princípio da isonomia, porquanto a Resolução do Conselho Gestor do Simples Nacional 152/2020 desonerou dos pagamentos de parcelamentos as empresas integrantes do Simples Nacional, e que a Resolução PGE/RJ 4.532/2020 tomou igual providência quanto aos tributos estaduais. Alega, ainda, ofensa aos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva. O Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo denegou o Mandado de Segurança, ao entendimento de que, à míngua de legislação estadual específica que conceda o direito à postergação do vencimento de tributos ou à suspensão da exigibilidade das prestações dos parcelamentos, não há como se interpretar os princípios que regem o direito tributário de modo a se estender os efeitos de uma Portaria aplicável no âmbito federal, ou mesmo benefícios concedidos por outro Estado da Federação, aos impostos devidos pelo impetrante ao Estado do Espírito Santo, sem ferir a autonomia dos entes federados e o princípio da tripartição dos Poderes. Entendeu-se, ainda, que não ofende o princípio da isonomia a aplicação de medida mais benéfica, como aquela que autorizou a suspensão do pagamento do ICMS das empresas optantes pelo Simples Nacional, uma vez tais empreendimentos encontram-se em situação de maior vulnerabilidade. Registrou-se, por último, que se afigura possível, de acordo com interesses econômicos e sociais, estimular e beneficiar determinados setores da economia, não havendo que se falar em ofensa aos princípios constitucionais da razoabilidade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva. No Recurso Ordinário a impetrante reiterou os argumentos deduzidos na petição inicial, sustentando que faz jus à suspensão temporária e à postergação do prazo para pagamento das prestações dos parcelamentos de tributos estaduais, em face do estado de calamidade pública decorrente da pandemia (COVID-19).

III- Conquanto se reconheça os efeitos negativos da pandemia na atividade econômica, o STF já decidiu, enfrentando pretensão análoga à presente, que, “em tempos de pandemia, os inevitáveis conflitos entre particulares e o Estado, decorrentes da adoção de providências tendentes a combatê-la, devem ser equacionados pela tomada de medidas coordenadas e voltadas ao bem comum, sempre tendo por norte que não cabe ao Poder Judiciário decidir quem deve ou não pagar impostos, ou mesmo quais políticas públicas devem ser adotadas, substituindo-se aos gestores responsáveis pela condução dos destinos do Estado. A suspensão da exigibilidade de tributos, ainda que parcial, e a dilação dos prazos para seu pagamento impostos por decisões judiciais implicam a desarticulação da gestão da política tributária estatal e acarretam sério risco de lesão à ordem e à economia públicas” (STF, SS 5.363 AgR/SP, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, TRIBUNAL PLENO, DJe de 29/10/2020). Adotando igual posição:

“Não obstante as dificuldades econômicas por que passam diversos segmentos empresariais, a concessão de eventual moratória que amplie o prazo de pagamento do tributo é uma opção política, a qual deve ajustar-se às balizas fixadas pelos poderes eleitos, não cabendo tal iniciativa ao órgão judicante. A intervenção do Poder Judiciário na esfera de discricionariedade de uma escolha política deve cingir-se ao exame de legalidade e constitucionalidade, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos Poderes, tendo em vista que não cabe ao juiz agir como legislador positivo. (…) O Supremo Tribunal Federal já afastou a possibilidade de concessão de moratória pela via judicial” (STF, ARE 1.307.729 AgR/SP, Rel. Ministro ROBERTO BARROSO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 07/05/2021). No mesmo sentido: STF, ARE 1.351.072 AgR/SP, Rel. Ministra CÁRMEN LÚCIA, PRIMEIRA TURMA, DJe de 10/02/2022.

IV- O acórdão recorrido – ao concluir que, à falta de legislação estadual específica que conceda o direito à postergação do vencimento de tributos ou à suspensão da exigibilidade das prestações dos parcelamentos, não há como se estender os efeitos de normas aplicáveis no âmbito dos tributos federais ou do Simples Nacional, ou mesmo benefícios concedidos por outro Estado da Federação, aos impostos devidos pelo impetrante ao Estado do Espírito Santo – merece ser mantido.

V- Recurso ordinário desprovido. (RMS 67.443-ES, STJ, 2ª T, Rel. Min. Assusete Magalhães, j. 15/03/22, DJE 18/03/22)

"As decisões aqui reproduzidas são apenas informativas."

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